abandono de crianças

27/09/2013 20:38

                                                                                 Abandono de crianças

O abandono foi um dos grandes responsáveis pela perda de inocentes, como relata o balanço respaldado por pesquisas realizadas em vários Estados do Brasil.

A dinâmica do abandono apresenta variáveis para o agravamento do desamparo; assim, a pobreza, a condenação moral dos nascimentos ilegítimos, o tamanho da prole, a morte dos pais, as doenças, a implantação da assistência financeira ao tutor e o discurso caritativo foram fatores que, em maior ou menor escala, promoveram o cenário estudado na obra.

Constata-se também, ao longo dos períodos estudados, o surgimento de múltiplas soluções institucionais para o abandono de crianças em Portugal e no Brasil. Além da roda dos expostos, considerada a primeira medida de socorro à infância, também havia a assistência promovida por Câmaras municipais, que pagavam "famílias criadeiras" de crianças abandonadas, e a prática disseminada do auxílio gratuito familiar.

"Na segunda metade do século XIX, em Portugal, começaram a ser implantadas reformas e o quadro institucional entre os dois países começou a se diferenciar. No início do século XX, Portugal já havia desativado as rodas dos expostos e implantado forma de auxílio familiar. No Brasil, as rodas só foram totalmente desativadas em 1950", afirma Venancio. "O exemplo português mostra que um país não precisa ser ‘rico’ para implantar uma política social consistente. Ademais, essa política foi adotada em um quadro sócio-político conservador, pois consistia em uma opção civilizatória", ressalta.

No livro, o abandono é mostrado em três períodos: o de caridade, em que as crianças tinham de ser batizadas e, no caso de morte, que tinha altos índices, acreditava-se que se tornariam anjos; o da filantropia, em que as crianças precisariam de cuidados para o ingresso no mercado de trabalho; e o de bem estar social, que começa no século XIX e dizia respeito aos direitos sociais da crianças, iniciado pelos católicos e depois abraçada pelas mais diferentes correntes socialistas e sociais-democratas.

Venancio destaca que "essa perspectiva começa a defender os direitos da criança como elemento da cidadania. O foco também sofre uma alteração: a proteção se estende à família, à mãe solteira, resultando em movimentos favoráveis à instalação de creches populares e auxílio financeiro às famílias pobres. Enfim, políticas públicas disseminadas na Europa do século XIX, mas que somente em fins do século XX foram implantadas no Brasil".

"Quando a Europa começou a abandonar as formas tradicionais de assistência, o Brasil passou a viver o processo de desestruturação do sistema escravista. Foi um período de intenso debate jurídico. Um tema comum a esses debates era o da mudança do princípio ordenador das hierarquias sociais, que até então pertencia à esfera privada dos senhores, para a esfera pública, controlada pelo Estado", afirma o pesquisador.

O organizador da obra conta que, entre 1850 e 1950, o Brasil construiu mais cadeias do que escolas. "Isso teve reflexos terríveis para a infância carente. No quadro de criminalização de todos os pobres, surge a categoria jurídica do ‘menor abandonado’. Além de não reformar a assistência tradicional, o Estado brasileiro passa a encarar a questão da criança e do jovem pobre como um caso de polícia".

Venancio ressalta que a mentalidade filantrópica é muito enraizada na sociedade brasileira, o que também representou um avanço. "O problema, porém, é que essa perspectiva nem sempre valoriza a educação formal prolongada, mas sim a inserção social da criança através do trabalho precoce ou de formas geradoras de renda", afirma. O autor toma como exemplo ONGs (organizações não governamentais) que ensinam artes circenses a crianças e jovens que acabam se afastando da escola para praticar nas ruas a atividade aprendida em troca de algum dinheiro, práticas que lembram a filantropia do século XIX.

                              JOÃO PEDRO